Análise Jurídica – Troca unilateral pela EFPC do índice de reajuste de benefícios.
O TRF-3 ao julgar o Ag.Instrumento n. 5011541-06.2021.4.03.6105, da Ré, contra a Liminar que suspendeu a troca de índice, e no qual a Abrapp atuou como assistente da EFPC (ré no processo) entendeu, por unanimidade, que não existe direito adquirido quanto ao índice de correção de benefício, mas somente o benefício seja direito adquirido, e acolheu o AI para cassar a liminar que havia sustado a troca de índices. Em tese pôde-se dizer que não há nenhum óbice quanto a troca de índice, todavia, tal possibilidade está condicionada à existência de fato imprevisível a ser demonstrado que afeta o interesse econômico e acarreta o inadimplemento de uma obrigação.
Numa relação previdenciária privada, a análise da troca de índice de reajuste de benefícios deve observar as peculiaridades de cada Plano quanto à sua origem; à sua forma de constituir as reservas; e à vontade das partes, que no caso se restringe ao Patrocinador de um lado e os Participantes do outro. As EFPC são meras gestoras administrativas do ativo e do passivo, sem objetivar lucro, recebendo taxa de administração apenas para o custeio da gestão, previamente contratada por convênio. A Entidade gestora não ganha e nem perde com relação ao índice de reajuste dos benefícios porque ela não tem responsabilidade alguma com eventuais déficits que possam ser detectados em levantamentos atuarias. O Art. 21 da Lei Complementar n.109/2001 é claro ao excluir as EFPC dos déficits, ao preceituar que “O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.”
A própria Abrapp, que interveio no processo como assistente da EFPC, destacou que a troca de índice do reajuste de Benefícios não traz vantagem algum à gestora, que não auferirá qualquer vantagem pecuniária com a medida, até porque não é ela que faz aporte financeiro para equacionar eventuais desequilíbrios entre os compromissos futuros e as reservas necessárias. Daí surge a indagação sobre qual será o interesse jurídico da EFPC em alterar por “sponte própria” e sem ouvir as partes (Participantes e Patrocinador) o índice de reajuste de benefícios, considerando que ela não tem qualquer responsabilidade, salvo os atos de má fé que derem prejuízo na gestão, aos déficits que forem apurados durante a atividade do Plano. Então, se o Patrocinador e os Participantes não estão questionando os eventuais déficits que serão suportados exclusivamente por eles e tampouco pediram ajuda à EFPC, não há que falar em interesses jurídicos e nem econômicos da referida Entidade gestora, e por consequência não há interesse jurídico também à Abrapp, condição necessária para esta atuar como assistente da Ré, porque a Abrapp é mera associação de Entidades que fazem o gerenciamento de planos fechados de previdência complementar. A rigor a Abrapp não poderia ter sido aceita como assistente da Ré por falta de interesse jurídico das duas. Ressalta-se ainda, contrapondo-se à alteração do Regulamento de Benefícios relativa a troca de índices de reajuste, o disposto nos Art. 17- parágrafo único da LC 109/2001:
“Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.
Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.”
Assim, o índice de reajuste previsto nas disposições regulamentares do plano vigentes na data da concessão do gozo do benefício, é assegurado na Lei, e a rigor não pode ser trocado, salvo no caso da teoria da imprevisibilidade a ser evocada pelo patrocinador ou pelos participantes. Fora a exceção da imprevisão que deve ser demonstrada previamente em Juízo, estribada em uma situação econômica insuportável para cumprir a cláusula, o índice do reajuste dos benefícios previsto no Regulamento (contrato) deve ser cumprido nos seus exatos termos. Não é excesso trazer à baila, o Art. 18 e seus parágrafos também da LC 108/2001, que dizem:
“Art. 18 – O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1o O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
§ 2o Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor.”
Como se vê no parágrafo 2.o do Art.18 supra, “o equilíbrio financeiro e atuarial deve atender as peculiaridades de cada plano, levando-se em conta as características da massa de participantes e a atividade econômica do patrocinador”. Em outras palavras o equilíbrio financeiro de um plano deve atender aos interesses da massa e a situação econômica do patrocinador, estando implicitamente contemplado a aplicação da teoria da imprevisão nos termos previstos no Código Civil.
Conclusão: A assertiva de que o índice ajustado para o reajuste de obrigações contratuais não tipifica direito adquirido está condicionado na prévia demonstração em Juízo de que, em razão de fatos supervenientes e imprevisíveis, o índice de reajuste das obrigações gera uma situação insuportável.
Marcos Aurélio Pinto.
OABSP – 25.345
Ex-presidente de EFPC.